domingo, 24 de janeiro de 2016

Punição Pública (Parte 1)

Em 2037 a leis começaram a ficar mais severas, principalmente com o fim dos direitos humanos (não que isso tenha feito tanta diferença), o fato é que os tribunais instantâneos se tornaram muito populares, principalmente entre os policiais, que adoravam frequenta-los com a intenção de assistir a um julgamento “justo”. Me lembro até hoje daquele dia, o dia que joguei aquele maldito papel de bala no chão, quase de imediato senti um puxão pelo braço e uma voz me abordando.

– Parado aí cara! Parei e fiquei imóvel naquela calçada, me lembrei da infância quando brincava de estátua – Mãos na cabeça, você está preso por contaminação ambiental, grau 2, sob a lei-3025/02 de 2034.

Me virei bem devagar já com as mãos na cabeça, quando olhei para o policial tive um choque, ele parecia ter minha idade (talvez até um pouco mais novo que eu), 21 anos, com certeza era um novato querendo mostrar serviço, ele mal conseguia abrir a pulseira de contenção (acho que antigamente chamavam de algemas), e é claro, pelo fato de ter me chamado de “cara”.


Senti um frio na minha espinha, eu sabia que a partir daquele instante minha vida ia mudar, e não era para algo muito agradável. Do pouco que eu li ou assisti na televisão, “criminosos” tinham duas opções, e olhem só, na qual eles mesmo podiam escolher seu destino, mas era sempre uma escolha difícil. A primeira opção era a prisão (a famosa cadeia) que nos dias de hoje estavam praticamente vazias, diferentemente de antigamente, mais isso era por um bom motivo. Caso a pessoa escolhesse ser preso ela jamais conseguiria se reintegrar à sociedade novamente, ao ser preso o governo confiscava os seus bens (mesmo se fosse casado, ao ser preso sua família ficaria na merda, sem dinheiro, casa, praticamente só com a roupa do corpo) e era praticamente impossível conseguir um emprego novamente. Isso me fez lembrar de uma frase que li a alguns anos atrás na Folha de São Paulo:

 “...esta opção só é viável caso o criminoso tenha cometido um delito a partir do grau 5, caso contrário, por pior que seja, era melhor escolher a opção 2...”

A opção 2 era o que os especialistas chamavam de castigo expositivo, esse foi criado nos Estados Unidos no começo da década de 30 (não me lembro de muitos detalhes vi isso num documentário), esse castigo era basicamente obrigar o “criminoso” a usar uma espécie de pele de látex preta no lugar das roupas, de um jeito que o condenado não poderia tirar ou nem cobrir com roupas normais, sendo assim era obrigado a sair de casa usando só essa pele. Eu particularmente nunca tinha visto um desses aqui na minha cidade, ou se alguém estava, o mesmo ficava só em casa, não saia por nada, talvez um parente próximo levasse comida enquanto o pobre coitado estivesse nessa situação. Mas o principal era que depois de cumprir a pena dentro dessa prisão de látex o indivíduo estava “limpo”, todos os seus crimes eram apagados do sistema e não existiria registro por passagem na polícia.

Ao me colocar na viatura minha face foi escameada por um negócio que parecia uma antena mole, enquanto isso eu observava alguns dados meus aparecendo em um monitor ao lado do volante, era um pouco difícil de ler por causa da tela de separação que dividia a parte da frente com a da de trás do veículo, mas consegui ver minha foto e várias outras informações como endereço, nome dos meus pais profissão, estado civil, e medidas do meu corpo (circunferência da minha cabeça, altura, peso, cintura, etc). De repente uma voz robótica, que saia de um pequeno alto falante preço no teto do veículo, começara a falar:

Você tem o dever de permanecer calado sob consequências de ter sua pena aumentada.
Se o seu delito for grau 1 tem o direito de ter um advogado para sua defesa, caso contrário considere esse direito suspenso.
Seu julgamento será realizado hoje, 22 de Abril de 2037 às 17:15h.
Diga a palavra “sim”, caso tenha entendido esta mensagem.

A única palavra que eu podia dizer naquele momento.
– Sim.

O policial pouco experiente que me abordou entro na viatura, ele estava rindo falando no celular, era um Iphone 17S (não muito diferente dos outros) mas esse modelo tinha uma tela holográfica de 3ª geração e bateria de Tório, provavelmente ganhara de seus pais quando ele entrou na polícia. No telefone ele conversava com o pai dele, ele falava e dava risada olhando para mim – Então tá pai, depois a gente se fala, agora tenho que leva-lo até o distrito, o julgamento é daqui 2 horas. Terminado a ligação ele olho nos meus olhos e disse:

– Ei otário, você é o primeiro criminoso que prendo, vai ter festa hoje lá tem casa.
– O que acha hen? Humn? Ahhh, é mesmo você não pode falar, hahaha, esqueci.

Pensei em retrucar, mas ele tinha razão, não podia falar nada, pois já foram lidos os meus direitos por aquela voz robótica idiota. Por um momento me veio a ideia de suborna-lo, ele é jovem e ainda “puro”, corrompe-lo poderia ser fácil, mas também perigoso afinal de contas eu era o seu primeiro prisioneiro e ele já falou com o pai, nessa altura eu era um troféu que ele queria exibir pra toda corporação. Ele olhava pra mim com um ar de nojo misturado com arrogância e um pouco de sadismo.

Ele ligou o motor, pisou de leve no acelerador e dirigiu em velocidade de patrulha, estava curtindo o momento, prolongando o máximo meu sofrimento. Na tela ao lado do volante onde antes aparecia minha foto agora aparecia um messenger com várias mensagens de voz gravadas (assim como aquelas mensagens gravadas que as pessoas mandavam no WhatsApp), ele tocava na tela e ouvia uma por uma(rindo como sempre, ele estava muito feliz), algumas do tipo:

[3] “Uhuuuu, parabéns Igor, pescou seu primeiro peixe”
[5] “:-O só um mês na trupe e já pegou um, seu filho da puta sortudo”
[6] “Igor seu sortudo do caralho, pegou seu primeiro pele de gato”
[12] “;-) esse é meu garoto!!!”
[13] “Parabéns IG, sempre acreditei em você, :P mentira hahaha... parabéns ”
[19] “Parabéns grande IG!!! você vai assistir o julgamento dele?”
[27] “IG seu sortudo do caralho”

Depois descobri que “Pele de gato” era a gíria que os policiais falavam sobre os condenados que escolhiam a opção do castigo expositivo, o que eles tinham quase certeza que eu faria.

Finalmente chegamos no distrito policial.
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Olá pessoal, depois de muito tempo sem atualizar o blog estou de volta.
Começando com a primeira parte do conto Punição Pública ...não sou um escritor muito bom (minha área é outra)  mas espero que gostem...


Até a próxima! 

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